Sexo

Sexo: o conceito de normalidade muda de acordo com a época

História da sexualidade, de Peter Stearns, propõe reflexão sobre os costumes sexuais e revela curiosidades comportamentais

 

Vamos falar de sexo: o que é “normal” para você? O recém-lançado “História da Sexualidade” (Editora Contexto), livro assinado por Peter Stearns, traça uma linha do tempo sobre os costumes e propõe uma reflexão a respeito do comportamento sexual socialmente aceitável. A obra mostra que práticas sexuais podem ser condenáveis ou comemoráveis,  e isso só depende da época. Na moralíssima época Vitoriana, por exemplo, a fruta do pecado não era a maçã, mas a laranja. Tanto que foi proibido chupá-la em público. “De modo a evitar que as mulheres se deixassem levar por conotações sexuais”, explica o autor.

Na primeira parte do livro, que trata da sexualidade antes da época moderna, Stearns fala sobre a circuncisão feminina, que consiste na remoção do clitóris. O costume foi instaurado no período das sociedades agrícolas como forma de “controlar” a sexualidade das mulheres, e ainda perdura em algumas regiões da África.

De acordo com a psicanalista
Regina Navarro Lins, especialista em sexualidade e colunista do Delas, com o advento da pílula anticoncepcional e os movimentos da contracultura dos anos 60 e 70, o sexo deixou de ser feito só para procriação, mas também por prazer. Assim, a mulher conquistou o direito de ter orgasmo.

O livro aborda questões polêmicas para os dias atuais, como o sexo praticado entre dois homens, conduta amplamente aceita na Grécia no período das civilizações clássicas, entre 1.000 a. C. e 500 d. C. Sobre o tema, Regina lembra: “Um cidadão grego podia ter uma esposa, uma concubina e os efebos – garotos de 12, 13 anos que eram iniciados sexualmente por homens mais velhos”, diz.


Atualmente, a homossexualidade é condenada com pena de morte nos países islâmicos. A mulher, subjugada e sufocada, é impossibilitada de qualquer expressão sexual. Mas nem sempre foi assim. Segundo conta o historiador, nos primórdios do islamismo, cerca de 600 d.C, o sexo entre dois homens era recomendado para evitar o tédio e promover experiência. Faziam parte da concepção de paraíso islâmica não só as virgens mais formosas (houris), mas também meninos “brancos como pérolas”, os ghilmaan, que estariam prontos para servir aos mártires da fé. Relatos de contatos lésbicos no interior dos haréns também existiram.

Ainda segundo o historiador, o prazer sexual do homem e da mulher era valorizado nesse contexto, e valia tudo para o prazer, exceto sexo anal e durante a menstruação. Stearns descreve as recomendações da época: “As mulheres deveriam raspar os pelos pubianos para ficarem mais atraentes. Os maridos deveriam executar carícias preliminares e aguardar o orgasmo da esposa, para só então ejacular”.

Peter Stearns segue construindo a sua linha do tempo até chegar à era moderna. É nessa parte que ele dá uma amostra de como era difícil ser adolescente na Europa da Era Vitoriana (1837-1901). É que esse foi tempo de puritanismo e rapazes podiam ser enviados para o manicômio para serem tratados do “vício” da masturbação. “Inventaram coisas horríveis sobre a masturbação. No século 19 desenvolveu-se um horror à prática, pois só o que gerava filhos era permitido”, completa Regina.

O norte-americano fecha a sua obra discutindo a sexualidade na era da globalização, onde ele discorre desde a pornografia na internet até a popularização dos medicamentos contra impotência masculina, entre outras muitas questões do mundo contemporâneo.

Aproveitando a reflexão proposta sobre os diferentes padrões de “normalidade” ao longo dos tempos, fica a pergunta: o que vai ser a norma daqui para frente? Nossa colunista, Regina Navarro Lins, aponta a uma nova direção para os relacionamentos. “Eu acredito que estejamos caminhando para uma grande mudança na mentalidade do sexo e do amor. Eu creio que, num futuro próximo, a maioria das pessoas não irá querer se fechar numa relação a dois. Nós vivemos sob o mito do amor romântico que prega a fusão dos amantes e a exclusividade sexual. Mas estamos em tempos de busca pela individualidade, isso bate de frente com o amor romântico, levando com ele a questão da exclusividade”, finaliza.


Curiosidades retiradas do livro “História da Sexualidade”, de Peter Stearns


A origem do “papai-mamãe”:
Na Europa pós-clássica, (entre 476 e 1453 d. C), sexo antes do casamento era coisa de prostituta. Aliás, com o cristianismo em plena ascensão no período, só uma posição sexual era adequada: o papai-mamãe, que também ficou conhecida como ”posição missionária”. 

Métodos contraceptivos: Os métodos contraceptivos sempre foram uma preocupação. Mas antes da invenção da pílula e de outros meios de esterilização (vasectomia e ligação das trompas), já se fez “de tudo” para evitar uma gravidez indesejada. A “tabelinha” é praticada desde os primeiros tempos: “Evidências a partir de incisões em chifres e ossos sugerem que as mulheres tentavam monitorar seu ciclo menstrual para fins de controle de natalidade”, descreve o autor. Os gregos antigos inseriam na vagina a metade de um limão, como medida contraceptiva, uma espécie de espermicida natural. Com a mesma finalidade os egípcios usavam excremento de crocodilo. Alguns gregos também faziam oferendas aos deuses para provocar o aborto de um filho indesejado. E outros usavam uma mistura de sulfato de cobre como contraceptivo. Na África, entre 1870 e 1950, mulheres usavam grama picada ou retalhos para bloquear o colo do útero.


Preocupação com impotência:
Antes da invenção do Viagra, os homens já apelaram para tudo com o intuito de afastar o fantasma da impotência. Na Ásia, nos primórdios do budismo, era muito comum “pedir proteção” através de rituais e ervas. Naquela época, banhar os genitais em suco de pistache era receita comum.

Suicídio em nome da honra:
Na China, durante a Dinastia Qing (1644/1911), recomendava-se suicídio para uma mulher estuprada. É que, pela dificuldade de se provar o crime, algumas mulheres preferiam tirar a própria vida e, inclusive, a prática era estimulada pelo governo: “Havia quase um consenso de que o suicídio era a melhor solução para a mulher estuprada. Em tais casos, o governo Qing pagava as despesas com os funerais e providenciava uma placa atestando que a mulher preferira a morte à desonra”, relata Peter Stearns.